A melhor prenda
Capitulo III
A revolta
Como devem calcular tudo
o que tenho na minha vida foi conseguido
com muito esforço. Foi uma batalha diária tentando viver neste mundo de gente
“normal”.
A medida que o
tempo passa fui aceitando melhor a minha condição de deficiente. Aceitando e ao
mesmo tempo entendendo melhor o que isso significava. Aprendi a gostar dessa
minha diferença. Quanto mais gostava de mim mais me revoltavam certas atitudes
com que tive de lidar. Revoltei-me contra tudo e contra todos. Revoltei-me
contra os falsos apoios e os falsos apoiantes. Revoltei-me contra a sociedade
em geral.
Sei que corro o risco de
ser mal interpretada. Alguns não terão a
capacidade de me entender, pois para isso teriam de ter passado pelas mesmas
experiências. Contudo peço que não levem a mal estas palavras.. Não se trata de
uma opinião generalizada. O que aqui escrevo não é fruto de nenhum inquérito ou
investigação mais cuidada. Esta é apenas a minha opinião, o que sinto ou como
me sinto.
Tentei sempre ser o mais normal
possível, fazer tudo o que os outros fazem independentemente do esforço que
isso implicava. Depois de tanto esforço a tentar igualar-me, a última coisa que me apetece é
que estejam constantemente a lembrar-me que sou deficiente. Já o sei! Podem
crer. Mas, isso é algo que luto para esquecer, e esqueço facilmente….mas sempre
que passo por um espelho, sempre que o sol brilha e a minha sombra se reflecte
no chão …não da para continuar a fingir. A prova ta ali aos meus pés mexendo-se
aos meus movimentos e lembrando-me…”NÃO FINJAS! ESTA ÈS TU!
Como se não bastassem estas evidencias das quais não posso fugir , ainda
tenho de lidar com as atenções exageradas da sociedade que mais não servem do
que para reforçar ainda mais a minha condição de “diferente” de necessitada.
Não pensem com isto que
não aceito os meus defeitos. Sei
exactamente o que sou e gosto de mim
apesar de tudo. A prova de que me aceito ficará registada aqui neste
testemunho.
Costumo dizer
que os complexados não somos nós os “diferentes “ . Os complexados são aqueles
que têm medo de usar a palavra deficiente. São aqueles que nos rodeiam, aqueles
que dizem não ser racistas .aqueles que se dizem sem preconceitos. Ninguém é racista ou perconceituoso até ao
dia em que a filha entrar em casa de mão dada com um preto e disser “este é o
meu namorado”. Aceitamos tudo. Pretos deficientes homossexuais… tudo. Desde que
não venham manchar a família perfeita que temos. Hipocrisias. O mundo ta cheio delas.
Não é de forma nenhuma uma critica. Eu
não sou melhor que ninguém e sei ser hipócrita quando isso me beneficia.
Pensamos sempre primeiro no nosso umbigo e não vale a pena dizer que não. Pois no meu caso também não há preconceitos.
Não senhor. Isso seria uma grande maldade e nós somos todos muito
caridosos. Tão caridosos que nos olham
de cima a baixo com aquele ar de pena
… ou aqueles que nos olham como se fossemos bicho raro e disfarçam
atabalhoadamente quando os apanhamos em flagrante. Olhem a vontade!
Então agora é proibido olhar? Mas
pior de tudo são aqueles que insistem em nos ajudar. Aqueles que querem
forçosamente conseguir praticar a sua boa acção do dia as nossas custas.Aqueles que insistem ajudar-nos a levantar da cadeira, os que nos querem
transportar o saco das compras, os que nos querem ajudar a subir o autocarro e
nos empurram quase nos atirando para cima do motorista a força…Que fique registado que cada situação foi vivida e sentida por mim. Não posso nem quero que isto seja visto como uma cópia do que um deficiente sente. Isto são as minhas experiências e cada um se identificará com elas ou não... conheço alguns como eu que se ergueram e foram a luta mas, também conheço os que insistem em viver na condição de coitadinhos e são felizes assim. Quem me conhece sabe que jamais tive atitude derrotista para com a vida.Voltando ao tema:Serei eu a complexada por recusar ajuda? Ou são os que acham que
só pelo facto de sermos deficientes precisamos forçosamente de ajuda? Em muitas coisas somos muito mais capazes e para termos os meus direitos, temos de o provar dia a dia.
Pensem bem nisto!
Pequenos exemplos: se me sento é porque me
consigo levantar sozinha. Se ando de autocarro é porque sou perfeitamente capaz
de entrar e sair dele. Se transporto as minhas compras é porque o peso esta
adequado ao que posso suportar. Conseguem entender isto? Nunca pude caminhar com a minha filha ao colo e por isso sempre que tinha de a transportar de um lado para o outro pedia ajuda. Mas não premitia que ningeum mudasse a fralda ou alimentasse ou desse banho... entendem essa diferença de pedir ajuda ou limitarem ainda mais nossas capacidades?
Depois de tudo isto
muitos estão a pensar que INGRATA!
Não
sou mal agradecida, Acreditem! Já precisei e já usei tantas vezes a vossa ajuda. O que pretendo deixar aqui registado é que por vezes na tentativa de ajudar acabamos por
prejudicar mais. Sei exactamente quais são as minhas limitações e não duvidem que quando não posso ou minhas forças falham eu não me envergonho de o dizer.. e, nestes casos agradeço a todos aqueles que estão lá.... (continua)