sábado, 24 de agosto de 2013



          Apesar de muitos acharem o contrario, eu fui realmente muito protegida durante a minha infância e adolescência. Acho que tive uma dose de educação bastante equilibrada. Proteçao do mundo exterior e muita, não posso dizer liberdade ,pois liberdade dentro de quatro paredes é relativa, mas muita responsabilidade. Fora de casa a minha vida resumia-se a escola e mesmo assim durante muitos anos a deslocação para a escola e regresso era sempre acompanhada. Ate um dia , com os meus 14 anos eu ter dito que não queria que me levassem porque sentia vergonha. Nenhum dos meus colegas tinha essa atenção mas os meus pais tinham medo que eu  caísse ou partisse uma muleta e não pudesse voltar para casa. Naquela altura não havia telemóveis e foi difícil ganhar essa batalha, mas aos poucos lá foi acontecendo mas sempre com a minha mãe ao portão aflita a ver as horas de eu chegar.
       Quando havia algum passeio escolar ou algum convívio com os colegas de turma , era muito difícil eu conseguir que me deixassem ir . Hoje confesso aqui que menti muitas vezes ao dizer que era obrigatório, ou que era uma visita de estudo e depois tinha de fazer um trabalho sobre o que íamos visitar. Se não fosse não fazia o trabalho e reprovava. Só assim eu tinha um pouco de liberdade embora meus pais ficassem apreensivos, não tinham outro remédio. Fora de casa consideravam-me incapaz de andar sozinha de fazer as coisas...em casa era obrigada a fazer tudo e já não era deficiente nem precisava protecção. Isto era muito difícil de entender . Era capaz para umas coisas e outras não. Sentia-me explorada . O meu irmão passava os dias fora de casa na brincadeira com os amigos e eu em casa a trabalhar ou a estudar. Quando ia brincar com alguma vizinha , isto depois de ter feito tudo o que minha mãe pedia, para ela ficar contente, a sensação que tinha era que mal tinha começado a brincar já ela me ia buscar. As vezes ainda nem tínhamos montado a nossa “casinha” com todas as panelas e caminhas de boneca e já tinha de ir, deixando a amiga triste e eu lá ia para o meu casulo a chorar. Que ódio daquela mulher que não me dava descanso.
       Alguém sabe realmente o que é ser um bom pai ou uma boa mãe? Ninguém nos prepara para essa tarefa. Muitos de nós vamos alimentando esse sonho  e um dia acordamos e temos nos braços uma criatura indefesa, totalmente dependente de nós. Quando isto me aconteceu eu senti-me inútil, incapaz,um medo terrível de não ser capaz. Pode ter sido uma fracção de segundos mas a mim aconteceu e a única coisa que me acalmou nesse momento foi pensar...calma tens a tua mãe para te ajudar. Ela vai saber o que fazer. A mesma mãe que por vezes eu não conseguia entender quando me obrigava a fazer certas tarefas, a mesma mãe com quem me revoltei tantas vezes por não entender o seu ponto de vista...foi nela que eu pensei naquele momento, foi nela que eu confiei para me ajudar com minha filha. Afinal ela esteve sempre certa!               Muitas vezes foi criticada, por mim, pelos outros e até pelo meu pai...Obrigava-me a lavar e estender a roupa,isto num tanque onde a agua tinha de ser puxada do poço pela força dos braços, e eu de muletas. O mais difícil era na hora de estender,tentar equilibrar-me numa só perna e com ela ao meu lado a dizer:não te pendures na corda que rebenta. Se a roupa cair no chão vais lavar de novo. Madrasta pensavam os vizinhos. Como pode fazer aquilo a filha? Coitadinha é deficiente. Eu não entendia. Juro que a odiava naquele momento. Então ela levava a bacia da roupa até ao estendal e ficava ali o tempo todo a ver-me estender...porque raio não estendia ela? Preguiçosa. Quer é uma criada!  Obrigava-me a lavar a loiça a limpar toda a casa de joelhos...tantas vezes o meu pai entrava em casa e gritava: já te disse que não quero ver a miúda de joelhos! Ao meu pai ela mal respondia mas também não lhe obedecia e eu desgraçada continuava a ter diariamente as mesmas tarefas. Aos vizinhos esses sim , se a questionavam ela muito seca dizia: ela pode fazer tudo. Não é nenhuma coitadinha e quando eu cá não estiver como é que vai ser? E eles calavam-se claro, mas notava-se no olhar deles a critica e eu ainda me revoltava mais contra ela . afinal eu estava certa , os vizinhos também não achavam bem todo aquele trabalho...
         No momento em que peguei a minha filha no colo e me lembrei daquela mulher eu entendi tudo o que esta grande senhora fez por mim. Obrigada mãe desculpa a minha raiva as minhas fúrias contra ti. Hoje sou o que sou porque tu sempre acreditaste em mim, sempre me levaste ao limite das minhas forças. Foste dura, fria, intransigente mas era esse o caminho mãe. Não sei como aprendeste, não sei quem possa ter te ensinado. 
        Quem nos prepara para acolher um filho? Pior ainda quem nos prepara para acolher de um dia para o outro um filho deficiente? Tal como eu tu também foste mãe muito jovem e longe da família, do teu país. Ao contrario de mim tu não tiveste a tua mãe do lado quando os teus filhos nasceram. Não sentiste o mesmo medo? Como acalmaste o teu coração mãe? Eu já fui a tua segunda filha e no inicio tudo correu normalmente. Dois filhos lindos perfeitos, o sonho de qualquer família...Um dia o teu sonho acabou. Deitas a tua filha e ela acorda doente e o pesadelo da recuperação começa e nunca mais acaba. Tanta esperança desfeita, tanta tentativa inútil. Tu nunca quiseste desistir mãe se havia esperança num tratamento ou numa cirurgia  tu acreditavas.
          Fui eu com os meus 18 anos que disse Basta! Fui eu que me resignei e aceitei como sou! Não conheço os tratamentos agora . Dizem que a medicina avança. Muita coisa pode ter mudado. Talvez, no meu caso  podia ter alguma evolução...talvez, talvez...não quero isso para mim. Decidi não me sujeitar a mim e a minha família a essas incógnitas. E porque podem vocês questionar? Mais uma vez devo isso a minha mãe e faço vos uma outra pergunta. Para que? Porque me vou eu sujeitar a mais investigações, tratamentos, cirurgias, etc...para que?
         Não preciso! Não me faz falta! Não há nada neste mundo que não possa fazer com as muletas...não me incomodam. E a quem se deve esta atitude? Aquela que criticaram e apelidaram de madrasta...minha MÃE. Só tenho uma palavra OBRIGADA.

1 comentário:

  1. Texto fenomenal, inclui sentimentos reais e vivências reais, só é pena que algumas pessoas copiem estes textos para face e outras redes sociais.
    Boa intenção?
    Carinho?
    Talvez mas continua a ser plagio. Só para finalizar fazer isso não ajuda.
    Por favor sra Ana me perdoe o comentário mas achei de mau tom o copy paste que vi, este texto é muito especifico logo não deve ser usado só porque sim.
    Atentamente
    R.S. Comprimentos

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